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sábado, 8 de setembro de 2012

A memória das palavras

Das palavras saem gumes afiados que deixam riscos de sangue em quem passa.
Nos passeios labirínticos da vida, sementes multiformes, vocábulos soltos, simples argumentos de inutilidade.
Ramos altos de acácias desejam o princípio do céu sem deixarem, nunca, a terra onde se fixaram. Das raízes, disse-se. Do chão que as prende, sabe-se.

Temos dois braços, cinco dedos em duas mãos. São verbo, substantivo e sujeito. Dos pés, os passos que voltam sempre ao mesmo lugar. Distante. Daqui. De sempre e de nunca. Agora.
Labiríntico desejo de partilha, segurando com a força do hábito o saber da perda, a cada instante, infinitamente distante. Infinitamente longe de qualquer gesto. Infinitamente gasto.
Parto de mim. Um parto que é nascer e ir. Chegar e voltar no mesmo tempo. Uma viagem que não tem começo nem acaba. Nunca. Palavra definida pela sua incompletude. Trajecto já acabado quando ainda sequer começou.
Porque não voam as árvores? Porque se beiram nos caminhos, estáticas, desejando o céu, só porque, de altas, não veem o chão em que pisam, com a sua sombra dilatada pelo sol?

- Tem uma árvore, sombra de noite?


Migram os pássaros, as nuvens, os homens e as suas fronteiras. Migram as marés, os barcos e os peixes que neles viajam, dentro e fora. Dentro, porque é a sua natureza de ser peixe. Fora porque é da natureza do homem viver do seu infortúnio. Mas na superfície da vida, de todas as vidas, nada acontece.

Quando um beijo nasce, é já um gémeo de outro. Quando um beijo morre é sinal de não haver nunca nascido. Agora não é um tempo. Agora é um lugar. Intemporal e seguro, como seguras são todas as palavras caladas. Estas não sangram por fora. Estas são lugares escondidos pela língua, pelos dentes, pela boca fechada. Mas elas crescem, surdas e infindas, até que o grito as solte. Depois já é tarde de mais.
Fecham-se os caminhos. Caem as árvores. Fogem os pássaros e os peixes, e até as marés se aquietam, olhando de soslaio a lua que as governa.
A lua, oh a lua. Esse sol noctívago que desassombra os amantes fugidos às leis que os prendem. De nenhum lugar. Para lugar nenhum.

- Sabias que as árvores dançam, nocturnas, nos caminhos que cercam?


Luis Alberto Martins